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Um presente de grego

  • 26 de Maio de 2013

A expressão deriva da narrativa de Homero do episódio de um cavalo do pau-oco posto na porta de Troia pelos gregos. Arrastado pelos troianos para dentro da cidadela, à noite, um punhado de soldados gregos salta do cavalo e abre as portas da cidade que é tomada pelos seus companheiros. Este episódio equivale no Brasil ao famoso conto do paco, em que um otário, pensando ser vivo, paga um alto valor por um um pacote de dinheiro falso e em casa descobre que tem apenas cédulas em cima e embaixo muito papel de jornal.
Na calada da noite, alguém colocou no centro da Baía de Todos os Santos um presente, uma estação de regaseificação. Ninguém foi avisado, nem mesmo o município de Salvador, a quem pertence a Ilha dos Frades, com sua famosa Ponta de Nossa Senhora, um dos locais mais aprazíveis e visitados da BTS. O que tem a ver essa ilha artificial e porto com a nossa baía? Nada. O gás liquefeito vem do Oriente Médio e uma vez expandido segue para consumo das regiões Nordeste e Norte. E por que a BTS foi o local escolhido pela Petrobras, quando poderia estar em qualquer ponto abrigado da costa da Bahia? Pela comodidade da empresa e de seus funcionários de viverem uma capital. Não vou avaliar aqui seus impactos ambientais, sociais e culturais, que já foram analisados por outros, e que têm, aparentemente, pouco interesse para a empresa.
Gostaria de conhecer os estudos, se é que foram feitos, de custo-benefício para a BTS e a Região Metropolitana de Salvador deste empreendimento. Como sempre, dirão que criará muitos empregos durante a construção, embora poucos na sua operação, e pagará ISS ao município. Mas não criaria o mesmo número de empregos qualquer que fosse sua localização na costa baiana? Quais são os ganhos e perdas para a RMS deste empreendimento? Perde a BTS porque em um raio de um quilômetro da estação, situada no centro da baía, não pode passar nenhuma embarcação, inclusive pesqueiros, por razões de segurança. Perde a RMS com a dificuldade de criação de um polo turístico-náutico, com a instalação de marinas, pequenos estaleiros, iates-clubes e resorts em volta da BTS. Prejudica Salvador, plataforma desse polo e aeroporto internacional, porque a região perde atratividade, encurtando a permanência dos turistas na capital.
O número de empregos permanentes e o volume de ISS gerados em Salvador e municípios em volta da baía com aquele polo náutico e turístico seria imensamente maior que deste projeto poluente no coração da BTS. Com essa estáção e o outro presente de grego, a ponte Salvador-Itaparica, estaremos matando na véspera o perú ou a galinha dos ovos de ouro da BTS e RMS. Isso não é culpa da Petrobras, senão de um Estado que perdeu a capacidade de planejar e controlar seu territorio, há muito tempo.
O planejamento deve começar pela eleição de prioridades. Enquanto o gado está morrendo e os lavradores se retirando do sertão esturricado, se planeja uma ponte que custará R$ 7 bilhões de reais e pouco beneficio. O Ceará, apesar de ter menores recursos hídricos que a Bahia, não sente tanto os efeitos das secas, pois possui 14 trilhões de metros cúbicos de água armazenados nos seus dez maiores açudes. Só um, construído há dez anos, tem metade desse numero. E eles estão com 60% da capacidade para irrigar a agricultura e desenvolver a pecuária.
O projeto de transposição do São Francisco, não obstante ser o rio majoritariamente baiano, irá beneficiar Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e nem uma gota para a Bahia. Em Tucano, o prefeito mandou cancelar a tradicional e alentadora festa de São João devido à seca, embora esteja sobre um dos maiores aquíferos do país. Segundo a propaganda oficial o que se está fazendo no Estado contra a seca são cisternas para capitar água da bica do telhado, que não basta para o consumo doméstico de uma família durante um mês. Só agora nossas autoridades despertaram para o problema.
Não se trata de regularizar a estação para cobrar ISS, senão pôr os pés no chão e começar a planejar. É o futuro da BTS e da RMS e o comprometimento do desenvolvimento do Estado, pelo impacto ambiental e endividamento supérfluo, que estão em jogo. Acorda, Bahia!

SSA: A Tarde, 26/05/2013.


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