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O gigante de pés de barro
Algum economista já calculou o que representam os alagamentos e deslizamentos
de encostas para a economia de Salvador? Os políticos não discutem o despreparo
de Salvador para as chuvas, que a cada ano é mais grave devido ao modelo de uso
do solo e obras públicas inadequadas, como se esses desastres fossem
inevitáveis. Discute-se o aquecimento global, o uso do filtro solar e o IPTU
Verde, mas não o desastre ambiental de Salvador com esses acidentes que provocam
mortes, destruição de bairros e a paralização da cidade todas as vezes que
chove.
Os aguaceiros em Salvador afetam todas suas funções: a habitação com a
destruição de centenas de casas, o patrimônio histórico com seu literal
“tombamento”, a mobilidade com o alagamento das avenidas, a saúde pública com as
mortes, poluição das praias e surtos de dengue, chikungunya e zika, a educação
pela interrupção das aulas, o comercio com o fechamento das lojas, a segurança
pelos assaltos nos engarrafamentos e o turismo.
O sistema de macrodrenagem de Salvador é uma ficção. Sem uma política federal,
estadual e metropolitana de construção de represas, investimentos em drenagem e
desocupação de áreas de risco, agravada pela diminuição das áreas verdes,
impermeabilização de 100% dos lotes para construção de garagens, deficiente
recolhimento de lixo e a sucateada rede de aguas pluviais o problema só tende a
piorar. Recobrir rios é um tiro no pé, pois eles deixam de ser dragáveis. João
Henrique fez isso na Vasco da Gama e no Imbui e estas áreas estão sendo
alagadas.
É preocupante que se vá repetir esse erro com o recobrimento dos rios Lucaia e
leito sul do Camaragipe, que correm nos canteiros da Juracy Magalhães Jr. e ACM,
para construção de um BRT que faz a mesma ligação do metrô: Lapa-Iguatemi. Estes
dois rios drenam uma imensa bacia que se estende do Rio Vermelho até a Cidade
Jardim, Candeal, Polêmica, Iguatemi e Itaigara. O assoreamento dessas galerias
em um par de anos vai criar um problema insolúvel para a cidade. Uma via
exclusiva de ônibus decentes (BRS) resolveria o problema com um custo ínfimo.
Cada faixa dessas substitui cerca de 50 de carros de passeio. Inteligente seria
aplicar esses bilhões em obras de drenagem livrando a cidade do flagelo anual e
consagrando a administração que as realizasse.
Paris, Recife e Cachoeira cortadas por grandes rios eram alagadas anualmente até
meados do século passado. Hoje, graças a grandes obras hidráulicas, não sofrem
mais esses efeitos. Salvador não é cortada por nenhum grande rio, é cercada pelo
mar em três lados e possui grandes desníveis que facilitam a drenagem. Até áreas
próximas do mar, como a Calçada, o Comercio, a Barra e a Pituba estão sendo
alagadas. O recapeamento que foi feito em toda a cidade pela atual administração
está sendo destruído pelos alagamentos. O que se está fazendo é o emergencial
contra os deslizamentos de terra, mas nada pela drenagem. A solução para a RMS
não são obras faraônicas de fachadas em plena recessão, como a ponte
Salvador-Itaparica, a Linha Viva, e um minhocão que sepultará rios e áreas
verdes senão ações estruturantes. Urge repensar a RMS de forma integrada e não
tópica e terceirizada.
SSA, A Tarde, 8/6/15