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Morte e enterro de nossos rios

  • 08 de Abril de 2018

Há duas semanas a cidade foi novamente alagada pelas chuvas. Não é só o desmatamento, a urbanização e o assoreamento que matam os rios. É o envenenamento, como o provocado pela Samarco, subsidiaria da Vale e da anglo-australiana BHP/Billion, em Mariana. Cerca 663 km do Rio Doce e seus afluentes foram envenenados com alumínio, arsénio, chumbo, cromo, ferro, manganês e níquel com o revolvimento da lama sedimentada em seu leito. Passados dois anos nenhuma vila foi reconstruída, nem os moradores reintegrados em suas casas. Os danos ambientais são incalculáveis. Pelo incêndio, em 2010, em uma plataforma de petróleo no Golfo do México, que não matou ninguém mas provocou danos ambientais, a British Petroleum foi multada pelos EUA em US$18,7 bi, ou R$62,0 bilhões.

Em qualquer pais sério uma mineradora seria obrigada a tratar seus efluentes venenosos e não os acumular, sem limite, em bacias improvisadas. Há pouco dias a Anglo-American, deixou vazar por duas vezes um duto de transporte de minério de ferro perto de Congonhas e no Pará, em Bacarena, a gigante norueguesa Hydro-Alunorte confessou, candidamente, que teve um vazamento em um duto clandestino que desaguava bauxita com chumbo em um rio que abastecia a cidade contaminando a população, mas ela estava distribuindo água mineral.

Todo secundarista sabe que um rio tem um leito de vazante mínimo e um maior para suportar as enchentes. Todas as grandes cidades europeias são cortadas por rios e essa disposição natural é respeitada. Em Paris, o Sena corre entre dois cais rebaixados uns 5 m da cidade, onde atracam os bateaux mouches e que se enchem nas grandes chuvas, como ocorreu no último janeiro alagando parcialmente a cidade. Diques, comportas e dragagem controlam as enchentes dos rios no primeiro mundo. O Paraguaçu alagava Cachoeira e São Felix, anualmente, antes da represa de Pedra do Cavalo.

No Brasil só se fazem obras hidráulicas para gerar energia ou abastecimento d’água que dão dinheiro. O Tietê quando chove transborda e alaga São Paulo gerando engarrafamentos de centenas de quilômetros, ao tempo que falta água no Sistema Cantareira. Em 2008, 150 pessoas morreram e 80.000 ficaram desabrigadas no vale de Itajai, em Santa Catarina, pela enchente do rio. Tivemos inundações e corrimentos de terras com muitas mortes, em 2010, no Rio, São Paulo, Pernambuco e Alagoas. Cada vez mais nossas cidades param nos dias de chuvas com os moradores pobres perdendo tudo, se contaminando e morrendo. Quanto custa isto à nação?

Dentro das nossas cidades os rios viraram cloacas, e lixo fedorento é jogado para debaixo do tapete. Vejo placas de macrodrenagem por toda parte, mas não sinto seus efeitos. Os nossos rios são enterrados em silencio, sem flores nem folhagem, sob lápides de concreto armado, só faltando o epitáfio: ”Aqui jaz um rio, saudades. São Pedro”.

SSA: A Tarde, 8/4/18


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