Artigos de Jornal


Do urbanismo demolidor ao desflorestador

  • 08 de Setembro de 2019

A expressão “urbanismo demolidor” foi cunhada pelo medievalista belga Henri Pirenne como crítica às reformas urbanas que se faziam em Paris e Viena, na segunda metade do século XIX, com a demolição das antigas muralhas e aberturas de novas vias para reprimir rapidamente levantes populares. Mas, justiça se faça, o urbanismo demolidor criou belíssimos bolívares com muito verde e conjuntos de arquitetura iluminista, como o belo Champs Élysées de Paris. Haussmann foi imitado por Pereira Passos nanicamente no Rio de Janeiro, e por Seabra, em Salvador. Reformas estetizantes do poder público, quando o capital ainda não havia se apropriado das cidades.

Na primeira metade dos anos 40, Salvador sofreu uma reforma virtual, o Plano EPUCS, inspirado nos princípios dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna. Sua única realização foi a bela Av. Centenário. Mas a ideia das avenidas de vale iria inspirar a reforma radical e improvisada dos anos 70 de ACM que mudou a centralidade da urbe e concentrou no Iguatemi, sem uma praça, os dois principais acessos da cidade: a BR-324 e a Estrada do Coco/Paralela. De qualquer modo, ACM criou bolívares e avenidas com canteiros centrais generosos, hoje desflorestados. Onde foram replantadas os milhares de arvores frondosas cortadas? Palmeirinhas não sombreiam.

Durante a ditadura, se elaborou no Rio de Janeiro o Plano Doxiadis (1965) com 403 km de vias expressas elevadas e coloridas, uma exaltação do carro privado e do concreto armado, construídas progressivamente. Para alegria das empreiteiras e governantes, fazer viadutos rodoviários dentro das cidades, ligando um ponto congestionado a outro, virou moda. Salvador tem 29 viadutos sem conservação e muitos inúteis, como os dois da Fonte Nova, o da Muriçoca e o em frente de A Tarde. Em Brasília, Rio e Belo Horizonte viadutos estão caindo e matando gente.

Assisti, recentemente, a apresentação de um estudo sobre o Minhocão Paulistano. Por onde ele passou destruiu tudo, eliminando a arborização, tirando a privacidade dos apartamentos e escritórios, criando um verdadeiro mafuá de drogados e sem-tetos sob sua pista, depreciando os imóveis marginais e mudando a composição social de sua vizinhança. No Rio são frequente os bloqueios e assaltos nas vias expressas.

Não obstante essas experiencias, se continua fazendo metrôs elevados e minhocões em nossa cidade, destruindo o verde das avenidas de vale, o legado bom de Tony bad boy, como traduzia para seus leitores um correspondente de jornal americano. Arrepio-me quando antevejo estações de transporte de massa aéreas sombreando avenidas na Pituba e no Comércio e o anúncio da extensão do metrô do Campo Grande à Barra. Será pelo Corredor da Vitória ou pela Av. Centenário, a pretexto de ser modernoso, mais barato e criar empregos?

SSA: A Tarde de 8/9/19


Últimos Artigos