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Repovoar o Centro Histórico

  • 01 de Novembro de 2020

Quem caminhar da Preguiça ao Pilar, passando pela Praça Cairu e ruas Corpo Santo e do Tabuão, ou tentar subir as ladeiras da Preguiça, Taboão, Caminho Novo e do Pilar, bem como a 28 de Setembro          e Soledade, na Cidade Alta, vai se assustar com o número de ruínas escoradas com longarinas de aço podres. Ao desabarem podem arrastar sobrados vizinhos e suas longarinas atingirem transeuntes, carros e imóveis fronteiriços. São 1.400 imóveis no Centro Antigo, segundo a Defesa Civil, em ruínas ou periclitantes esperando desabarem, como já acorreu com 30 deles na Montanha.

 

Se somam a essas ruínas o 2º e 3º andares vazios dos 613 sobrados estabilizados pelo projeto Shopping a Céu Aberto, que expulsou 2.000 famílias do Pelourinho, na década de 1990, e os 400 sobrados pertencente ao IPAC e à Conder subutilizados. Entre 2001 e 2010 o Centro Histórico perdeu 50% da população (IBGE). Nenhum conjunto histórico sobrevive sem habitantes e o CHS está despovoado. Em estudo que realizei, em 2019, para a F. Mario Leal Ferreira/UNESCO mostrei que o Centro Antigo, com a infraestrutura que possui, pode receber 14.478 novas unidades habitacionais de diferente tamanhos, para cerca de 43.434 pessoas e absorver facilmente os 2.900 moradores vulneráveis do CHS, que representam 6,67% desse universo. Essas unidades seriam muito mais atrativas e baratas que as do programa MCMV na periferia, sem infraestrutura, serviços e transporte.

 

É generalizada a crença que o Centro Histórico pode ser recuperado pela iniciativa privada com incentivos fiscais. Pode sim, mas com a perda de sua história e cultura local, como demonstram a Cloc Marina e o Porto Trapiche Residence. Seria como “restaurar” Nova Orleans expulsando os negros com seus banjos e trompetes. Propunha no referido estudo que esse projeto habitacional fosse feito por autoconstrução com a utilização da mão de obra local devidamente treinada e remunerada, como forma de inclusão social, indo ao encontro de reivindicações da maioria das associações de moradores.

 

A Prefeitura tem um projeto interessante de criação do centro administrativo municipal, com habitação para seus funcionários, em edifícios desocupados do Comércio, que valorizará a área, mas não beneficia o CHS. Tudo ainda está no papel. Esta semana tive uma boa surpresa. Parte das propostas que formulei no referido estudo para requalificar o Centro Antigo, qual sejam os tuneis de pedestres ligando as estações do metrô do Campo da Pólvora ao Comércio e da Lapa á Barroquinha, estão sendo licitados. Complementam o projeto passarelas elevadas ligando o Carmo à Saúde e o Pelourinho ao Desterro. Túneis e passarelas teriam faixas para bicicletas e patinetes elétricas tornando dois pontos próximos, mas separados por vales profundos, mais acessíveis. Recuperar o Centro Histórico é possível e urgente, mas ele continua com muletas.


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