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Empachamento de concreto

  • 27 de Dezembro de 2020

Antropólogos, como Roberto DaMatta, têm mostrado a socialidade que se desenvolve em ruas e praças, aonde nos relacionamos, protestamos, flertamos e namoramos vitrines. Os passeios de Salvador, estritos, com postes e degraus são ridículos. O prefeito reformou algumas praças, mas não criou novas. Por outro lado, estamos transformando as nossas ruas em viadutos, sem passeios, arborização, nem vida social.  O empachamento de concreto nos empobrece.

Ao contrario das rótulas, que são pontos de articulação, os viadutos são obtusos, só levam a uma direção. A rótula da Praça Lord Cockrane funciona muito bem, articulando a Federação, o Vale do Canela e a Vasco da  Gama. A do Abacaxi foi substituída por dois viadutos superpostos que não se articulam entre si, nem com o Comercio, Cabula e Pernambués. Por isso, a maioria do trafego se congestiona sob esses viadutos, com cavaletes, sinaleiras e zig-zags mesquinhos.

A construção do metrô do Rio de Janeiro, na década de 1970, provocou um grande debate sobre o seu custo diante de outras necessidades da cidade. Havia os que defendiam um metro periférico e de superfície, como o nosso, mas a maioria pedia um metrô de verdade, subterrâneo, passando pelo centro, integrador da cidade.

O Millôr Fernandes, em sua coluna Pif-Paf, de O Cruzeiro, onde ironizava as babaquices dos políticos, não deixou passar aquela discussão bizantina. Numa de suas páginas ele perguntava: já que não há dinheiro para fazer o metrô subterrâneo, por que não o fazemos na superfície e vamos o aterrando devagarzinho? A proposta de Millôr não vingou no Rio, mas parece que está sendo adotada em Salvador.

Quando passo no que restou da antiga e arborizada Avenida ACM, sombreada pelos viadutos, penso: este é o leito perfeito para a Linha 3 do metrô. Só precisamos aterrar os seus lados para teremos, finalmente um underground em Salvador. No seu andar superior teríamos uma avenida larga com sinaleiras, para disciplinar os carros, e passeios largos para os pedestres caminharem, como em qualquer cidade humanizada. Não precisaríamos andar quilômetros e zig-zaguear em passarelas para descobrir um endereço ali do outro lado da rua.

Não foi apenas na Av. ACM que substituíram arvores frondosas por uma floresta de concreto. Também a Estrada da Rainha, hoje Via Expressa, e a Av. Orlando Gomes foram transformadas em viadutos estéreis para carros ultrapassados. A frota de carros privados vai ser reduzida a um oitavo com a difusão dos transportes de massa e mini-taxis autônomos, graças à tecnologia G5.

Ah se esta cidade fosse minha, eu mandava... criar um grande parque no Miolo de Salvador, para integrar o Subúrbio Ferroviário pobre à Orla Atlântica rica... e ver meu bem passar, como no Central Park em NY, no Farroupilha, em Porto Alegre, ou no Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro.


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