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Presentes de Natal

  • 24 de Dezembro de 2023

O aviso da festa chegava para mim uma semana antes do Natal com o perfume das folhas de pitanga. Era minha mãe criando a gruta com ramos de pitangueira e meu pai fazendo o presépio com papel de saco de cimento e casinhas imitando Belém, que rima com o bem, bem, bem dos sinos de Natal, no caminho do Egito. No topo da gruta não podia faltar uma estrela-guia, que mais tarde meu pai escreveu no Jornal A Tarde ter a companhia do Sputnik, a Nova Aliança espacial para o bem da humanidade dividida pela guerra-fria. Jorge Amado festejou o texto por ser meu pai um católico aberto.

Minha mãe tinha uma Sagrada Família de biscuit que colocava no presépio. Para nós meninos a diversão era arrumar os boizinhos e jumentos de barro comprados na feira de Alagoinhas. Naquela época não se festejava Santa Claus vestido de vermelho vindo do Polo Norte com seu trenó voador por sobre campos nevados de pinheiros, que a Coca Cola divulgava subliminarmente para lembrar que o refrigerante só devia ser bebido gelado, pois ao natural tinha agosto do sabonete líquido Aristolino (https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/como-coca-cola-popularizou-imagem-do-papai-noel.phtml).

Adolescente, eu já não acreditava no Papai Noel, que entrava pelas chaminés das lareiras, mesmo porque na Bahia só havia chaminés de fogões de lenha, que eram de lata por onde mal passava um gato. Por falar em bicho, além daqueles de barro do presépio, havia o galo encantado da missa da meia-noite na igreja da Graça, onde a nossa família de oito filhos ia a pé todos os anos.

De qualquer modo, minhas irmãs e irmãos mais novos botavam os sapatinhos no pé da cama para receber os presentes do Papai Noel durante a noite. Na manhã seguinte era uma festa, mas muitos brinquedos tinham que ser guardados para quando terminasse a reforma, sem fim, da casa. Quando a casa terminou, a infância de meus irmãos já havia acabado e os carrinhos de corda e a bailarina que dançava encima da caixinha de música já não tinha muita graça.

No meu caso foi diferente. Quando abri os olhos vi uma enorme bicicleta encostada na cama. Fechei os olhos para me preparar para dar um salto e grito de alegria compatível com o presente. Minha mãe imaginava que eu ia crescer como um soldado inglês e comprou a maior bicicleta do mercado, aro 28”. A bicicleta era tão grande que o quadro batia na minha virilha e eu tinha sempre que apear de lado. Era uma Hercules inglesa de guidão e pedais cromados lindíssima, mas que não tinha rodinhas para equilibrar. Tomei muitas quedas numa ladeira de barro no fundo da casa até conseguir me equilibrar.

Com a bicicleta deixei de ser um bípede e comecei a voar, bailando de um lado para o outro para fazer as curvas como fazem as aves ou mergulhando numa ladeira para correr no plano e ir mais longe, além do controle de meus pais. O presente de Natal daquele ano foi a descoberta da liberdade de voar.


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