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Copa e Olimpíadas à vista

  • 06 de Junho de 2010

Os organismos internacionais, que sempre serviram às grandes potencias, estão em baixa. A Organização das Nações Unidas (ONU) não tem autoridade para nada. Sua força de paz, os capacetes azuis, é expulsa ou executada na África. O Fundo Monetário Internacional (FMI), além de inócuo, pede fiado ao Brasil, e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) não consegue evitar a proliferação atômica nos países nanicos, enquanto Obama pede a Lula para convencer os iranianos a fazerem o dever da AIEA.

Nesse quadro, é surpreendente a força da Federação Internacional de Futebol (FIFA), que nunca fez nada pelo futebol amador ou educação esportiva. Exigir que a África do Sul construísse cinco mega-arenas, quando se sabe que a crise que ameaça o euro e o mundo se deve, em grande parte, aos gastos extraordinários da Grécia nas Olimpíadas de 2004, é um absurdo. Pior ainda é admitir que o Brasil, penta-campeão e com a melhor infraestrutura de futebol do mundo, aceite construir ou reformar 12 estádios no estilo jokey club, com áreas para cartolas, museus, camarotes, restaurantes finos, estacionamento, escadas rolantes, e ingresso de US$ 40,00.

Numa época de TV de alta definição e 3D, é discutível a capacidade desses eventos de atrair milhares de turistas, como ocorre na Europa dotada de trens a autopistas velozes e hotelaria de ponta. A pouca afluência à Copa sul-africana parece desmentir essa premissa. Cerca de 40 mil torcedores em uma semana não vão fazer nenhuma diferença a Salvador, acostumada a receber 600 mil foliões no Carnaval. Mas a Copa pode ser um pretexto para arrancar dinheiro do Governo Federal e implementar melhorias urbanas. E aí varia muito o tratamento dado ao tema por cada cidade. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba não aceitaram fazer novos estádios, senão reformar os existentes. As sete cidades restantes, de menor peso político, capitularam as exigências da FIFA e vão bancar arenas novas.

Salvador é uma delas, preferindo desembolsar R$ 1,6 bilhões nos próximos 15 anos para construir e gerir uma arena em vez de reciclar a Fonte Nova a um custo de R$ 150 milhões (A Tarde 30 de janeiro de 2010). Além do mais, demolir e reconstruir um estádio naquela área pode trazer muitas surpresas: por estar sobre um antigo lago, ser parte do entorno do Dique do Tororó, do Desterro e da Casa de Anfrísia Santiago, tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artistíco Nacional (IPHAN), por sua história ligada ao futebol, à natação e ao atletismo e por não sabermos o que fazer com o entulho. Ao contrário do time de futebol Vitória, que aproveitou um lixão para construir o Barradão, estaríamos demolindo a Fonte Nova para criar um lixão.

Dezessete das mais representativas entidades profissionais, ambientalistas e sociais baianas, entre as quais o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA/BA), o Institutos de Arquitetos do Brasil (IAB/BA), o Sindicato dos Engenheiros (Senge), o Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental (Germem) e a Federação das Associações de Bairros de Salvador (FABS), enviaram ao governador, no último dia 18, um posicionamento, que, entre outras coisas, afirma:

“1) Não cabe a destruição de um complexo olímpico composto de estádio, ginásio e piscina para substituí-lo por uma arena exclusiva para futebol justamente no momento em que o Brasil se prepara para sediar, pela primeira vez, os Jogos Olímpicos [...]
2) A estrutura principal [...] atualmente existente do estádio é perfeitamente aproveitável, como afirmou o especialista em estruturas Eng. João Leite, no I Debate da Copa 2014, realizado no CREA-BA em 2009. A execução de novas fundações terá um alto custo, visto que a Fonte Nova está apoiada, em boa parte, em área embrejada [...]
5) Até o momento, não está claro como se dará a demolição e a posterior retirada dos milhares de toneladas de escombros resultantes da demolição [...]”

Temendo a não conclusão das obras a tempo e transferência dos jogos para outra cidade, o posicionamento sugere a paralisação da demolição e início da recuperação do atual estádio.

“Reconhece-se que implementar as propostas aqui elencadas não se constitui em tarefa fácil por exigir uma profunda mudança de rumo. Porém ainda há tempo e, certamente, a população baiana saberá reconhecer esse gesto do governo do estado em favor do cuidado com a coisa pública, especialmente avaliando o quanto do orçamento do Estado se vai comprometer para esta e para as gestões futuras e, sobretudo, o quanto de retorno social será garantido pelos recursos aplicados.”

Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 6 de junho de 2010


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