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Tragédias anunciadas

  • 30 de Janeiro de 2011

Os acidentes naturais sempre existiram e são imprevisíveis. Mas as mortes e a destruição causadas por eles são um dos efeitos mais perversos da nossa falta de planejamento. Num país de oito e meio milhões de quilômetros quadrados as populações mais pobres são compelidas e viverem em encostas a pique, pântanos, alagados e lixões, por falta de regulação e planejamento territorial-urbano. Até a classe média, que tem recursos para disputar terrenos mais seguros, está agora sujeita a essas catástrofes como se verificou em Petrópolis, Teresópolis e Itaipava, no Rio.

Por sorte não temos terremotos nem tufões. As catástrofes que golpearam Santa Catarina, Alagoas, Minas Gerais e Rio de Janeiro se devem exclusivamente a fatores antrópicos. Só ocorreram deslizamentos de terra e alagamentos em cidades e vilarejos, em conseqüência de escavações nos sopés dos morros, acumulo de lixo, redução das calhas dos rios e impermeabilização do solo por uma urbanização descontrolada.

Quando ocorrem tais acidentes no Primeiro Mundo, ou mesmo na China e Austrália, as mortes não passam de algumas dezenas. Mas só no Rio, os mortos e desaparecidos chegam a 1200, duas vezes as vitimas do terremoto e tsunami do Chile. Nos países desenvolvidos os rios foram domados com a construção de represas que retardam e diminuem a força das águas quando começa a chover nas suas cabeceiras. Recife foi submersa inúmeras vezes por enchentes do Beberibe e Capibaribe no século passado. A construção de represas a montante da cidade acabou com este flagelo. O mesmo ocorreu com Cachoeira e São Felix, com a construção de Pedra do Cavalo. Não tendo se prevenido a tempo, São Paulo está condenada a parar a cada chuva.

Luiz dos Santos Vilhena, em suas Noticias Soteropolitanas, relata os inúmeros corrimentos de terra na falha de Salvador ocasionando mortes e destruição de casas durante o século XVIII. O governador Barão Homem de Melo resolveu dar um basta nessas tragédias, em 1873, encarregando o Eng. Francisco Pereira Aguiar de projetar uma contenção e ligação viária entre as duas cidades superpostas, Depois da construção das ladeiras da Montanha e da Conceição e seus imensos arrimos, nunca mais ocorreram tragédias naqueles seiscentos metros que correspondem ao núcleo original da cidade. Neste campo nada mais se fez na cidade, salvo pequenos grampeamentos emergenciais de encostas de confiabilidade duvidosa e impacto visual desastroso.

Leitores atentos podem observar cintas e pilares de concreto segurando enormes penedos nos morro do Rio de Janeiro. Foram feitos depois que um deles rolou causando muitas mortes em 1966. Pouco antes o Eng. Enaldo Cravo Peixoto, Secretario de Obras do Governo Carlos Lacerda (1960-65) construiu a adutora do Guandu, para que o Rio não continuasse a ser “a cidade maravilhosa que de dia falta água e de noite falta luz”. Abriu os túneis Rebouças e Santa Barbara, fez o Parque do Flamengo e contratou o urbanista grego Doxíadis para fazer um plano para a cidade. As novas Linhas Vermelha e Amarela são proposta dessa época.

Se ainda conseguimos circular em Salvador se deve às avenidas drenantes de vales projetadas por Mario Leal Ferreira e Diógenes Rebouças, em meados da década de quarenta, mas só executadas no final da de sessenta. Depois disso nunca mais tivemos planos urbanísticos e a cidade cresce ao sabor dos especuladores e do sofrimento dos excluídos. As poucas obras públicas que se fizeram depois disto são propostas imediatistas de construtoras, do setor imobiliário e de concessionários de serviços públicos, que nada tem a ver com um desenvolvimento sócio-ambiental sustentável. Pelo contrario, só fazem atrapalhar.

Precisamos restaurar a capacidade do estado de mediar e planejar ouvindo a comunidade e os técnicos, se quisermos que catástrofes como as recentes do Rio e os alagamentos freqüentes de nossas cidades não se tornem rotina. Desenvolvimento urbano e prevenção de acidentes não se fazem com improvisações, mas com políticas participativas de estado e expertise.

SSA: A Tarde, 30/01/11


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