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Verde, que te quero verde

  • 23 de Janeiro de 2022

“Verde vento. Verdes ramas./O barco vai sobre o mar/ e o cavalo na montanha./ Com a sombra pela cintura/ ela sonha na varanda, [...] Por sob a lua gitana,/ as coisas estão mirando-a/ e ela não pode mirá-las”. O poema de Garcia Lorca se ajusta como uma luva à minha colega arquiteta e paisagista Arilda Cardoso de Sousa, que nos deixou no último dia sete.

Arilda dedicou a vida a defender o verde e o nosso patrimônio arquitetônico. No Oceplan –PMS realizou entre 1975-1982 o levantamento exaustivo das Áreas Verdes de Salvador, cujos remanescentes estão virando uma selva de concreto. Realizou o paisagismo do Parque da Cidade(1974) e do Metropolitano do Abaeté(1977), do Complexo do Caji(1978), da Barragem da Pedra do Cavalo(1982-2006), do Parque das Esculturas de Pituaçu(1994) e da Pr. do Campo Grande(1998). Para o Estado projetou a sede da Seplantec(1972), no CAB, e a adaptação de uma mansão à sede do Museu Geológico da Bahia(1982) e a criação de seu auditório. Projetou ainda instalações hospitalares, comerciais, industriais e numerosas residências, mas nunca se rendeu ao leilão de Salvador.

A obra de Arilda não pode ser dissociada da capacidade de empreendimento do marido, José Raimundo de Sousa. O casal incorporou um dos recantos mais aprazíveis de Salvador, o Condomínio Mata Maroto(1980), na Federação, e comprou e restaurou dois dos mais importantes casarões abandonados do Rio Vermelho, onde hoje funcionam o requintado Hotel Catarina Paraguaçu(1992) e a Villa Forma Academia(1998), administrados pelas filhas Sara e Carol.

Mais importante foi a compra e restauração do Engenho de Baixo (1982), em Aratuipe, por indicação minha e de Esterzilda, quando realizávamos o Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia, IPAC-SIC. O Engenho de Baixo é um exemplar único de engenho típico da banda ocidental da Baia de Todos os Santos, com casa grande e fábrica integrada, compreendendo ainda uma represa, cascata, roda d’água, moenda, fornalha e tachos, casa de farinha e rodão de dendê tudo funcionando para demonstração.

Publiquei em 1º/01/2015 neste jornal o artigo O último engenho integro da Bahia, sugerindo ao Estado a compra desse imóvel com seu mobiliário do século XIX e uma rica coleção de ferramentas proto-industriais. Esta seria a maneira do Estado criar um parque para que as novas gerações conhecessem o que foi o ciclo do Açucar Amargo, tese de Esterzilda Berenstein de Azevedo recentemente lançada pela Edufba (Amazon). A contribuição de Arilda à criação do Sistema de Áreas Verdes de Salvador é tese doutoral na UFBA de sua irmã e colaboradora Dange. Sua atuação como arquiteta e paisagista está sendo levantada por suas duas filhas.

A vida é um sopro. Verde vento, verde ramas de Arilda. ”Verde que te quero verde”. Não deixemos esta chama se apagar.


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