Artigos de Jornal


As Cataratas de Iguazul

  • 18 de Setembro de 2022

Não conheço Iguaçu, mas vejo cataratas nos meus olhos azuis. Estive em Brasília muitas vezes, mas nunca fui à "galeria dos hipocondríacos”, onde brasilienses e candangos se entretêm com seus tédios em frmacias. Digo aos meus filhos que meu último médico foi o pediatra, que me suspendeu pelos pés, me deu um tapa no traseiro e eu gritei para a vida.  Abro exceção para a minha oftalmologista todas as vezes que quebro meus óculos. Em uma dessas visitas ela me aconselhou a secar o rio dos meus olhos.

Reagi e pensei recorrer às benzeduras, passos, banhos e garrafadas, mas meus preconceitos cartesianos não me permitiram. De qualquer modo, resolvi ler Ciclo da vida, ritos e ritmos, de Thales de Azevedo. Toda vez que leio meu pai, ele sai da garrafa e conversa comigo com uma atualidade surpreendente. Voltei à doutora e ela me disse que era melhor eu fazer a operação antes de pegar a cegueira política denunciada por Saramago que está viralizando no país.

Assumi “ser um operado”, aquele status social privilegiado dos mais modestos, que não fazem check-ups executivos, e assim se omitem de carregar pesos, darem tombos em carros e subirem escadas e ladeiras. Marquei a entrevista com o grão-mestre e seu acólito que tira a dor e fiquei desconfiado que a operação fosse também um ritual exorcista. Devia fazer um jejum penitencial na véspera e chegar ao terreiro hospitalar antes do sol nascer. Acordei ainda escuro e para entrar no terreiro me exigiram banhar a cabeça e o rosto, um batismo.

Na entrada tinha que fazer uma opção, colocar uma bola de gude no olho, que o seguro pagaria, mas não daria acesso à “classe dos sem óculos”, ou comprar a gema prémium, caríssima, que daria entrada direta ao céu. Comprei um simples cristal, que me levaria ao limbo. Tinha que fazer ainda o voto, ou juramento do compromisso. Uma sacerdotisa mandou me despir e vestir uma mortalha azul com o gorro branco da pureza, sapatilhas da mesma cor e tirar todo o metal do corpo.

Mandaram-me sentar num grande salão, com outros noviços e noviças, para a aplicação de uma poção nos olhos que me restituiria  a visão do mundo. Um a um foi sendo chamado para a iniciação. Quando me chamaram entrei na camarinha gelada e me fizeram deitar no altar do sacrifício. Estava preparado para passar para a outra vida e fiz a oração do renascer. O sacerdote máximo me disse que iria tirar os demônios da minha visão direita, sempre a mais afetada. Desembainhou uma espada de laser brandiu no ar e começou uma luta em que eu só via faíscas e luzes por todos os lados. A guerra durou pouco e ele introduziu no meu olho um cristal multifacetado para eu ter uma visão diversificada e colorida do mundo. Disse-me que eu deveria voltar depois das eleições para tirar uns duendes travessos da visão esquerda e entrar na nova vida. Amém.


Últimos Artigos