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Copiar, colar e escrevinhar

  • 13 de Novembro de 2022

Copiar, colar e escrevinhar

Paulo Ormindo de Azevedo

Já não se escreve mais nada. Não que estamos voltando à oralidade, que produziu importantes obras literárias e filosóficas, de Sócrates a Lacan, senão às pinturas rupestres, agora no computador.  Eu aprendi a escrever na pedra, seguindo João Cabral de Melo Neto. A pedra era uma pequena lousa de ardósia cinza com moldura de madeira. Escrevia-se com um estilete do mesmo material e se apagava com um pano. Nela aprendi o bê-a-bá e o 2+2=4. As aulas eram em casa, junto com minhas irmãs mais velhas. Depois passamos a escrever a lápis em cadernos de caligrafia e com penas de aço e tinteiro em papel pautado. A “fessora” mandava enxugar a tinta com o mata-borrão, esticar o mindinho e escrever outra frase do ditado.

A introdução das canetas-tinteiro foi uma festa. O sonho de todo secundarista era ter uma Parker. As primeiras eram listradas e mostravam a tinta. Estouro mesmo foi a Parker 51, de design aerodinâmico. Mas mesmo as Parker pegavam os achaques de seus donos, enjoavam e vomitavam. Por isso, nas poltronas dos aviões havia sachês para guardá-las durante os voos. As canetas esferográficas acabaram com esses inconvenientes.

Nunca gostei da máquina de escrever, porque ela cristalizava a escrita e não permitia correções. Meu pai tinha uma Smith–Corona, que parecia um gafanhoto, onde ele batia com dois dedos. Depois teve a famosa Remington e em seguida a Olivetti, de design lindíssimo. Depois de formado, comecei a escrever relatórios e artigos para jornais. Tinha que fazer a máquina. Aprendi com meu pai a escrever com auxílio da tesoura e da cola. Batia o que me vinha à cabeça e depois recortava frases e parágrafos e reordenava-os em um mosaico com anotações a lápis nas entrelinhas para bater tudo a limpo. Este método ficava complicado quando havia notas de rodapé. Qualquer deslize eu trocava o autor da citação.

Tudo melhorou quando a IBM lançou o PC, em 1981, e liberou sua patente para qualquer fabricante. Mas quem voltou à linguagem rupestre foi a Macintosh em 1984, com computadores operados por ícones e ratinhos. No ano seguinte, a Microsoft introduziu o mesmo sistema nos PCs. A escrita acabou, foi substituída pelo Instagram e tik tok, que usam imagens, emojis e memes. O Twitter limita as mensagens a 280 caracteres e o e-mail já trás as alternativas de respostas para as mensagens . Os novos notebooks leem arquivos para cegos e operam com comando de voz.

Muitos mestrandos e doutorandos têm dificuldade de escrever e contratam revisores para escreverem ou reescreverem suas teses. Há gente séria, mas alguns fazem teses de 500 páginas que são um saco de citações sem nexo. Analfabetos estão navegando na internet, sem precisar escrever, mandam mensagem de voz pelo Zap. Eu escrevo com lápis, borracha e notebook: rabisco, apago, misturo parágrafos e notas de rodapé. Escrever escorreito e conciso é mais difícil que copiar e colar textos alheios e escrevinhar bla, bla, bla entre eles.

SSA: A Tarde, 13/11/2022


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