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O Coliseu revivido

  • 25 de Dezembro de 2022

O Coliseu revivido

Paulo Ormindo de Azevedo

 Tive um sonho, estava em Roma durante sua derrocada. O César reinava, mas não governava, palácios senhoriais luxuosos versus espeluncas dos párias, gladiadores sendo mortos nas arenas do império para deleite da aristocracia, banquetes opíparos contrastando com a fome dos escravos. Aquele mundo de luxo e esbanjamento não conseguia esconder os levantes e guerras nas províncias, a corrupção desenfreada, a invasão dos bárbaros e a ameaça de um incêndio que destruiria não só Roma como campos e florestas. O César tentava controlar a situação com “pão e circo”.

Aquele sonho foi induzido pela situação mundial atual. A ONU desmoralizada, a Europa em recessão com inflação alta e sem energia, a revolta da Rússia contra o Império que a quer sitiar, a guerra na Ucrânia, ondas de refugiados invadindo a Europa e os EUA, a fome na África e periferias do mundo ocidental, a lavagem de dinheiro nas bolsas e o desastre ambiental da era Antropocênica que as reuniões de Paris, Davos e Sharm el-Sheikh não conseguiram amenizar.

Coincidentemente estava havendo a Copa no Qatar, que reuniu 3,3 bilhões de espectadores nas TVs. Na monarquia absolutista do emir Tamim Bim Al Thani, onde as mulheres não podem fazer nada sem a tutela do marido, pai ou um homem da família. Para a construção de sete arenas ociosas, com ar condicionado a céu aberto, morreram estimados 6.700 operários, mais que gladiadores no Coliseu. Descobri uma série na Netflix mostrando a corrupção na FIFA para a escolha deste minúsculo país, sem futebol, com apenas 315 mil catarianos e 2,5 milhões de trabalhadores imigrantes semiescravos, mas possuidor da terceira maior reserva de gás do mundo.

O Qatar é o maior exemplo de desrespeito aos direitos humanos, esbanjamento, atentados ao meio ambiente e produtor de um terço do gás fóssil que polui a atmosfera. Lá se pode comer carne confeitada com ouro, embora falte pão para um terço da humanidade. Apesar de tudo isto, foi o país escolhido pela FIFA para ser a sede do grande circo de 2022. O que ganhou a África do Sul, Brasil e Rússia em sediar esses eventos? Mas o circo é o circo, aliena e faz esquecer a política, a fome e o desemprego.

A FIFA é um cartel europeu que só teve um presidente de fora, João Havelange, e controla o bilionário futebol mundial. Em 2015, sob o comando de Joseph Blatter, que renunciou por suspeita de corrupção, teve 14 membros de sua diretoria presos. O ultimo escândalo do futebol envolveu a vice-presidente da Comunidade Europeia, Eva Kaili, que depois de visitar o Qatar e elogiar o sistema trabalhista local, foi flagrada com 600 mil euros em casa. Ela e mais três pessoas estão presas. Salve o atual César mundial, o capital, que reina absoluto acima dos discursos hipócritas de sustentabilidade, direitos humanos e transparência!

Feliz Natal e próspero 2023!

SSA: A Tarde, de 25/12/2022

 


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