Artigos de Jornal


Se faz cidade ao andar...

  • 03 de Agosto de 2025

Inspirado no grande poeta andaluz Antonio Machado escolhi o título dessa crônica. Caminante no hay camino, se hace camino al andar./Todo pasa y todo queda/ pero lo nuestro es pasar/ pasar haciendo caminos/ caminos sobre la mar[…] Yo amo los mundos sutiles/ ingrávidos y gentiles/ como pompas de jabón (Cantares).

Ao andar em Madri, durante um congresso, um colega observou: se conhece uma cidade pelos seus passeios. Verdade! É nas calçadas urbanas e veredas dos parques que se tece a sociabilidade de uma cidade, onde se conhece pessoas, se vê as vitrines, se descobre, ao acaso, um buteco que é uma surpresa ou onde se aprecia a vegetação.

O Rio de Janeiro é uma das cidades mais belas e com o maior patrimônio paisagístico urbano do mundo reconhecido pela UMESCO: montanhas, florestas, praias, cascatas, lagoas e a obra do homem: um Cristo monumental, o Parque do Flamengo e uma rica cultura musical e literária inspirada na cidade. Os melhores cantores baianos e nordestinos foram atraídos pelo Rio: Caymmi, Gil, Caetano, Tom Zé.

Sua poesia se revela nos calçadões e nas ladeiras dos morros: “Um bom lugar para encontrar Copacabana/ pra passear à beira-mar Copacabana/ depois um bar à meia-luz, Copacabana/ eu esperei por esta noite uma semana. /Um bom jantar, depois dançar Copacabana/ Para se amar um só lugar Copacabana” (Caymmi e J. Guinle). Ou ainda: “Se alguém perguntar por mim/ diz que fui por aí/ levando o violão debaixo do braço/ em qualquer esquina eu paro/ em qualquer botequim eu entro/e se houver motivo é mais um samba que faço” (Zé Keti).

A vida está nas calçadas. “Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão[...] Alegria das calçadas[...] Todos, porém, sabem mexer nos cordéis com o tino ingênuo de demiurgos de inutilidades/ E ensinam no tumulto das ruas os mitos heroicos da meninice.../ E dão aos homens que passam preocupados e triste uma lição de infância” (M. Bandeira).

Também tivemos passeios para andar, ver vitrines e namorar como a Rua Chile, as avenidas Sete e Oceânica, onde de fazia o footing, e a Praça Cairu com seus camelôs. Tudo acabou. Nossos passeios são mesquinhos, cheios de buracos e degraus. Não temos ruas nem parques, só viadutos. Dou um doce a quem indicar onde se possa ver vitrines, a não ser nos shoppings centers estéreis, do consumo e da exclusão.

Nossas autoridades e técnicos só se deslocam em carros blindados. “Pela janela do carro/ eu vejo tudo enquadrado/ eu ando pelo mundo/ e os carros correm para que?” (A. Calcanhotto). Me lembro duma canção popular que dizia: “A mulher do ‘autista’ se queixa da sua sina/ porque o tal só cheira a gasolina/ e quando chega em casa, toca logo a buzina” (anônimo). Nossas autoridades são assim, não sabem o que é uma cidade e urbanidade, só querem o poder pelo poder e rodar de limosine. 


Últimos Artigos